quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Lô Borges: Do Clube da Esquina à Eternidade

O cantor e compositor mineiro faleceu neste domingo (dia 2), aos 73 anos, após permanecer internado em Belo Horizonte.



 Foto: (Pedro David)

A perda do Lô Borges pegou a todos de surpresa, já que, até recentemente, ele continuava trabalhando em material novo e fazendo seus shows regularmente. Sua internação, que durou mais de 10 dias, acabou resultando na partida do cantor aos 73 anos, vítima de uma intoxicação por medicamentos. Mas, apesar dessa perda dolorosa — que certamente deixa um buraco gigantesco na música brasileira — isso não apaga os méritos e o legado monumental que ele construiu ao longo de sua carreira.

Lô — ou melhor, Salomão, seu nome de nascimento — era um garoto sonhador que, em determinado dia, viu um jovem de 20 anos com um violão nas mãos, cantando com uma voz angelical e hipnotizante, capaz de fazê-lo permanecer ali, paralisado diante daquela apresentação quase VIP. Quem era esse jovem? Nada menos que o Bituca — ou melhor, Milton Nascimento. Dali nasceu um vínculo profundo de amizade.

Foi nas esquinas das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, que os dois, ao lado de outros jovens, transformaram simples encontros musicais em algo imenso. Ali, o amor pela música transcendeu qualquer limite, e essas reuniões, com o tempo, deram origem a um dos maiores movimentos musicais do Brasil, senão do mundo: o Clube da Esquina.



Foto: (Perfil Oficial do Lô Borges no Instagram)

E foi ali, naquelas ruas empoeiradas de Belo Horizonte — que à época começava a receber um grande fluxo de novos moradores, em meio ao período conturbado da Ditadura — que o mundo foi agraciado com uma das maiores obras-primas da música brasileira: o disco Clube da Esquina (1972). Um álbum icônico que trazia na capa dois garotos da região serrana do Rio de Janeiro (e que muitos acreditavam ser Milton e Lô quando crianças), representando perfeitamente a atmosfera de descoberta e afeto daquela geração.

Logo depois, quando Lô começou a despontar em carreira solo, surgiu com seu álbum autointitulado — o famoso Disco do Tênis — trazendo na capa os tênis gastos e empoeirados que ele realmente usava. Era um símbolo de liberdade. Sua poesia não se encaixava no molde mais acessível da época, pois era despojada e cheia de rusticidade, mas ao mesmo tempo trazia um recado profundo que seria compreendido com o tempo.

Com um estilo que misturava Folk, o encantamento melódico dos Beatles, influências mineiras e Rock psicodélico, Lô criou um verdadeiro caldeirão sonoro, desafiando as regras de tonalidade predominantes. Não havia ganchos fáceis: tudo era rústico, ousado, e deixava claro o gesto artístico de romper fronteiras.

Essa força criativa continuou a se refletir em seus trabalhos seguintes — também clássicos — como A Via-Láctea (1979) e Nuvem Cigana (1982). E mesmo quando chegaram os anos 80, um momento em que a música brasileira passou por forte pasteurização, com muitos artistas da MPB se tornando reféns de um novo direcionamento da indústria, Lô seguiu um caminho próprio. Sem grandes números de vendas, mas com firmeza artística, continuou se aperfeiçoando e fazendo um som que refletia sua verdadeira personalidade.



Foto: (Fernando Quevedo)

E até recentemente ele mostrava que sua ousadia parecia infinita. Nesses últimos seis anos, lançou discos de forma anual, todos eles reforçando suas qualidades — que, apesar da simplicidade aparente, revelavam uma enorme bagagem musical que certamente não caberia em uma mala. E tudo isso se reflete em artistas mais novos que cresceram ouvindo suas músicas e que passaram a enxergá-lo como uma grande influência para suas carreiras, indo desde Samuel Rosa, Nando Reis, Djonga e Tim Bernardes.

Inclusive, o Alex Turner, do Arctic Monkeys, teve influência do Lô Borges ao compor o álbum de 2018 da banda: Tranquility Base Hotel & Casino. Isso aconteceu após ele se encantar e mergulhar em um disco que realmente traduzia aquilo que eu disse antes: a liberdade de criar algo que desafiava os padrões impostos pela mídia.

Portanto, o que ele construiu, mesmo estando longe dos holofotes na maior parte da carreira, fez dele um artista místico, carregado de autenticidade. Seu legado permanece e continuará sendo reverenciado nos próximos anos, jamais sendo esquecido pelos entusiastas da nossa cultura. Tanto que tudo isso já se reflete nas homenagens que aconteceram nas ruas que marcaram o início de toda a sua caminhada.



Foto (via X/Twitter)

Em suma, o que posso dizer é que Salomão Borges Filho — o eterno Lô Borges — deixou uma obra que jamais será esquecida e que mostra o quanto ele foi gigante para a música brasileira.

 

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